As flores do meu jardim

 
Imagem gerada por IA, representando minhas bisavós.

Hoje sonhei com minha bisavó Ester, mãe de minha avó paterna, e isso me deixou muito feliz. Desde sua partida, em 2020, nunca mais a tinha visto – nem em sonho –, e, por mais que sua imagem tenha sido fruto do meu subconsciente, foi especial revê-la, ainda mais trajando a vitalidade e os cabelos fortes de sua fase mais jovem. Ela era especial e eu a amava muito.

Minha outra bisavó – esta, mãe de meu avô materno – ainda é viva e completou 95 anos no último dia 19. Como sou feliz por ainda tê-la, por ainda poder senti-la! Apesar de que, pelos sentimentos, também podemos sentir quem aqui já não está – como senti minha bisavó Lúcia há 2 semanas, ao meu lado, como se me desse um abraço e dissesse que tudo ficaria bem – e como senti minha bisavó Zezinha, de maneira tão vívida, ao tocar em minhas mãos e dizer que me amava profundamente, há poucos meses. Sem dúvidas, ser bisneto é uma das posições que mais amo e amarei por toda minha vida, porque é sem igual e nada comparável com ser filho ou neto, pois são amores distintos, apesar de nascerem da mesma fonte.

Também tive meus bisavôs, pais de meus avós, próximos a mim nesta caminhada, mas, deles, pretendo falar em outro momento. Neste, quero me restringir às minhas mães de terceiro grau – aquelas que geraram meus avós, em seus ventres, e que me passaram um legado de amor à família e de obediência a Deus.

A começar por minha bisavó Lúcia, ou Lucinha, como é conhecida por seus sobrinhos, que, de um modo que somente os céus podem explicar, foi presente em minha vida por meio de sua essência, apesar de ter partido deste plano próximo do meu primeiro aniversário. De um modo que, até hoje, me é sublime: eu conseguia ver vovó Lúcia com tanta vivacidade que parecia que ela estava materializada em minha frente, como um ser de luz, um anjo, trajada de um vestido longo, branco, e portando um olhar sereno e atencioso a mim. Eu a via como um ser protetor, do outro lado da vida, que me dizia que, apesar de não vê-la por meus olhos carnais, eu deveria ter certeza de que a tinha ao meu lado e que ela me fortalecia e apoiava na caminhada.

Quando tudo era cinzento e eu, já criança, pedia a Deus que todo aquele sofrimento cessasse, eu a sentia ao meu lado, me abraçando, distraindo e dizendo que eu não poderia abandonar as forças, pois a vida não seria fácil, mas valeria ser vivida. Quando o sentimento de estar sozinho me enganava, eu a via, em meu íntimo, se aproximar e me fazer companhia. Eu sentia que ela dizia que me amava, apesar de não ter podido conviver fisicamente comigo. Foi com ela que tive orgulho de portar o meu Sivini, apesar de ser a família que me é mais distante e desinteressada. Foi com ela que aprendi que estar presente na vida dos seus e ser resiliente nas adversidades eram a chave para a felicidade – ela me ensinou que o rancor não devia ser instigado e que o amor incondicional era a única escolha correta. Ela dedicou seus anos a demonstrar que a vida não é fácil, que as adversidades são constantes, mas que viver com amor é escolha, não consequência, e que o dever de semear a confiança em Deus, de que novos dias virão com a firmeza no cumprimento de nossos compromissos espirituais, é imprescindível.

Vovó foi amor, capaz de uma plantação tão poderosa que suas colheitas benditas são extensas e recai também sobre os seus. Assim como também foi minha bisavó Ester, a quem vejo como sinônimo de força e esperança. Nascida em uma realidade social tão vulnerável, vovó foi uma sobrevivente. Sua época não era fácil para negros e pardos, como ela era, e, especialmente, quando essa condição vinha acompanhada do acréscimo do gênero feminino. Talvez ela nunca tenha tido noção do quanto sua existência significava, mas, indubitavelmente, significava muito. Vovó foi uma mãe que enfrentou a pobreza, que sepultou bebês que ela gerou, pariu e quis criar, que lutou por sua família e teve que lidar com o sofrimento de não poder lhes proporcionar a infância confortável que toda progenitora almeja para seus filhos. Vovó foi um amor tão potente e transformador que sua memória é constantemente revivida e sentida. Como sinto falta de ir à sua casa e dar-lhe a benção, de sentar ao seu lado e ouvi-la conversar, atenta a mim, sobre sua prole, religiosidade e aprendizados. Como era tão tocante ouvir sua voz baixinha, sentir seus braços finos a me abraçar, tocar seus cachos sensíveis e sentir seu amor por mim. Como me desperta alegria lembrar de sua existência, de seu cuidado com minha saúde na infância, recordar sua preocupação comigo e com meu primo Pedrinho ao nos ver correr pela sua casa, dos natais fartos de parentes durante sua existência e de seu lar, que era abrigo para todos os seus. Vovó foi mulher de fé e, seguindo os preceitos de sua religião, buscava sempre guiar os seus no caminho que julgava correto, incentivando a conversão e o empenho. Eu gostava de ver seu cuidado. Me entristeci muito com seu Alzheimer. Como foi triste vê-la perdida dentro de casa, imersa em seu próprio esquecimento. Como era triste notar que aquela vovó, que me ensinou a molhar o pão no café, aos poucos estava se despedindo de mim e dos meus primos, deixando um legado que ainda hoje não somos capazes de dimensionar, mas que, um dia, quando nossa hora de ser avós e bisavós chegar, compreenderemos. Toda vez que ouço o nome "Maísa", lembro-me da minha estrelinha, da que amava aquela música que eu morria de medo, da que ressignificou a frase "meu mundo caiu". Sua fragilidade física era como um contraponto simbólico para a sua resistência emocional. Foi com vovó que entendi a importância de uma família unida. Foi também com ela que aprendi o valor de corrigir e ensinar. Foi a minha Ester, que, mergulhada em um Alzheimer entristecedor, me mostrou a potência do cuidado, subjugando sua doença para me dar aprendizados quando era necessário; quem criou forças para lembrar de seus ensinamentos por mim, em diversos momentos, quando a vida lhe forçava o esquecimento da caminhada. E que caminhada...

Também, minha bisavó Zezinha é sinônimo de superação para mim. Que mulher fantástica! Quanta força em um único ser! Suas mãos de ferro eram doces quanto a mais linda flor de qualquer jardim. Sua presença era tão marcante que quem nunca a conhecera nunca entenderá. Ainda hoje me lembro dos seus passos rápidos, de sua firmeza misturada à doçura no falar, de seus olhos afetuosos, que transpareciam a importância que ela dava à presença dos seus, de nós. Seu casamento foi um dos únicos sólidos de minha larga linhagem. Seu amor por meu bisavô é o mais lindo que minhas lembranças podem acessar! Seu amor por nós era tão lindo que é difícil de descrever. Ela era mãe. Definitivamente, mãe. Uma mulher que sabia organizar sua família e que honrava seu título de mãe, avó, bisavó e matriarca. É um exemplo que desejo, um dia, seguir, tão íntima que era capaz de ler nas entrelinhas qualquer necessidade. A dona do meu castelo florestal, do lugar que eu mais amava no mundo, dos jambos docinhos que eu amava e da delicadeza que sua singularidade aclamava. Além de tudo, ela me despertava inspiração, porque a única dor que creio não ser capaz de ser superada, minha bisavó carregou; o único sofrimento, que não é capaz de ser verbalizado, minha bisavó vivenciou. Um bom filho, muito amado, tirado pelas mãos de outro no auge de sua vida e que fora subordinado a um sofrimento físico terrível – uma dor que paralisa, que muitos não conseguem superar – e que ela nunca superou, mas aprendeu a lidar, não permitindo que a paralisasse. Ela sabia que sua prole e seu amado também precisavam dela, como todos nós precisamos! Mesmo na sua velhice, no seu Alzheimer, eu encontrava em seu colo conforto. Eu encontrava, em sua presença, um amor puro como quase nenhum outro. Eu lia, em seu olhar, os versos que me diziam o quanto nos amávamos. E como nos amávamos! Ser bisneto é sem igual...

Por graça de Deus, ainda sou – e ainda carrego meu título – pela presença de minha bisavó Ivani, um dos grandes amores de minha vida. Um afeto que se intensifica a cada ano que passa, um sentimento poderoso que se fortalece a cada encontro nosso. Quando a vejo ou a recordo, meu coração se alegra. Nossa conexão é tão poderosa que, só em imaginá-la, posso vê-la e senti-la. Vovó me ama como quase ninguém. Também é vítima do Alzheimer e de tantas outras limitações, mas, quando a vejo, noto em seu olhar a centelha da lembrança e do seu amor. Ninguém nunca chorou ao me ver como vovó Ivani chorou. Ninguém nunca disse tanto em um olhar, como ela já disse. Eu me felicito só por estar em sua presença, por pegar minha cadeira, colocá-la ao lado de sua cama e sentar-me a assistir TV com ela. Sinto falta de sua época mais vívida, de seu crochê, de suas bonecas, de sua voz incessante e de sua risada barulhenta, mas, ao ceder aos desígnios da vida, meu amor não esmorece. Ter apenas sua companhia não significa menos para mim; pelo contrário, a cada ano significa mais. Cresci vendo minha bisavó virar criança e, agora, um bebê, mas a minha Nini é um bebê muito amoroso e consciente. É uma criatura extremamente viva que guarda, em suas provas, a chama da vivacidade como ninguém. Como amo seu sorriso! Seu olhar, seus cabelos curtos embranquecidos, sua existência! Como tenho orgulho de ser seu bisneto, da sua história que também é minha, da sua força ainda na infância e de todos os nossos momentos juntos, que não se podem contar nos dedos. Foi a única com quem morei por um tempo, a que mais convivi, a que ainda tenho e a que ainda posso tocar! Sou tão agradecido a Deus por tê-la, por pertencer a ela e por amá-la tanto. Se eu pudesse, iria vê-la todos os dias; nem por um segundo a esqueço. Ela é uma parte de mim que me fortalece – os braços para os quais ainda posso correr quando a saudade aperta e os olhos nos quais ainda posso encontrar uma linda mensagem!

Assim, cada uma é uma flor em meu jardim, dotada de cores individuais e de lembranças únicas, partilhando um amor filial que as une em mim. Por isso, rogo a Deus para que um dia eu possa ser metade do que essas quatro mulheres foram e que meus bisnetos tenham tanto orgulho de mim quanto eu tenho delas!

Por fim, para concluir, digo o de sempre: "bença, vovó!" ❤️

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