A ti, Belmira.

 
A Mulher de Cabelos Verdes, de Anita Malfatti.

Teu nome reflete bem quem foste.
Reflete bem como eu te imagino,
Grande matriarca Sivini,
Que em teu útero gerou a nossa primeira geração.

Em região tão querida por mim, nasceste:
Freguesia de Paudalho, anos de 1850.
Antônio e Joaquina, teus pais, lá te tiveram
E também lá, te deixaram.

Ficaste órfã.
Foste então viver em Olinda com primos teus.
Conheceste o rapaz Claudino,
Com quem casaste ainda adolescente.

Ele, moço viúvo, te tornou mãe antes do teu corpo.
E aquela criança que terminaste de criar era chamada Júlia.
Também foi Claudino que fez teu corpo gerar outro coração.
Foi dele que veio a tua pequena,
A tua Laura.

Mas, tristemente, um dia tudo tem um fim.
Nada é perfeito.
Então enfrentaste o mundo,
Separaste.

Foste tu, em anos remotos,
Estavas apaixonada por um estrangeiro,
Um italiano,
Pascoal.

O teu Pascoal.
Por ele, sofreste estigma social,
Perdeste quem havia te restado.
E foi com ele que a tua carne novamente se multiplicou:
Maria, Miguel, Francisco, Pedro, Manuel e Ângelo.

O Pascoal te concebeu todos eles
E também te deu Ernesto,
Que Deus, tão jovem, te tirou para levar para perto de si.
O teu bebê batalhador.

No ano três,
Em janeiro, perdeste teu primeiro amor.
Em novembro, perdeste o teu último.
O tempo apenas te concedeu a generosidade de tornar-te mulher dele
Para, logo, ele partir.

Agora, tu eras apenas mãe.
Apenas um ser.
Crianças pequenas, sofrimento, despedidas.
Criaste os mais jovens apenas com a lembrança e com a ausência do teu Pascoal.

Na velhice, a família que outrora perdeste, fortaleceu:
O teu menino, Miguel, casou-se com a tua prima Carolina.
O teu rapaz, Pedro, desposou a tua Estefânia,
Neta tua com aquele que um dia foi o teu Claudino.

Viúva.
Duas vezes eras viúva.
Senhora.
Morreste sendo senhora.

Senhora de si e do tempo.
Uma senhora que um dia foi uma mulher
E que desejou ser Belmira.
Apenas, a Belmira.

E é com este teu nome que eu te recordo
E abraço em meu pensamento,
Para te acolher, mulher que ousou enxergar o futuro,
Mulher que ousou desafiar o presente,
Mulher que escolheu ser em vez de ter.

É a esta tu que eu dedico essa minha admiração.
E é com este carinho profundo
Que eu me despeço.

Comentários

  1. Como é bom ler o que escreves, é literalmente uma viagem, um mergulho em cada história. Parabéns meu bem, continue construindo essa trajetória linda que por sinal está apenas começando. Ansiosa pra ler o próximo artigo ❤

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  2. Que escrita perfeita 👏👏👏👏

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  3. Achei o texto excepcional, incrível a história com todos os detalhes da Belmira,tudo bem explicado e com leveza, parabéns meu escritor e historiador preferido 👏👏👏

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