Velhos Serpas, dançastes no tempo brilhantemente com o vento! Avós, olhai por nós, enquanto seguimos a vossa dança!

Minha bisavó Ivani com seu filho, meu avô Alexandre.

 A minha estimada bisavó Ivani é membro, por nascimento, de uma extensa família caracterizada pela tradição médica. Originalmente nomeada Ivani Serpa de Abreu, seus (nossos) ancestrais remontam ao Sudeste do país. O mais antigo avoengo localizado desta linha é o carioca cirurgião-mor José Antônio de Serpa. Nascido na Sé do Rio de Janeiro, ele migrou no século XVIII para Pernambuco e aqui casou com a recifense Maria Inácia da Conceição, atuando na terceira dos auxiliares da cidade natal da sua esposa. É sabido que os patriarcas da família Serpa na sua freguesia originária são o lisboeta capitão António Monteiro Serpa e a dona Ângela da Mota Leite, provenientes de uma linhagem de Dom Afonso Henriques. 

Apesar de não ter, ainda, descoberto quem foram os pais do Dr. José Antônio, tenho fortes crenças de ser ele descendente desses velhos Serpas. Sua morte é datada de antes de 1790 e, com dona Maria Inácia, foi pai de quatro filhos, no mínimo: Ângela Benedita, casada com o portuense bacharel António de Farias Brandão; Manuel José, casado com a conterrânea Josefa Antônia Jacinta da Cunha; e os convictos solteiros José Teodoro e Joaquim Jerônimo, ambos cirurgiões-mores, como o velho doutor. 

Eu sou oriundo do Jerônimo, o mais conhecido e ilustre da parentada, havendo muitos estudos publicados de suas obras e pesquisas. Seu nascimento ocorreu em treze de setembro de 1773, na freguesia de Santo Antônio. Seguindo os passos familiares, estudou medicina na Escola de Cirurgia do Hospital Real de São José, em Lisboa, tendo regressado ao Brasil somente em 1808. Serpa então fixou residência em Olinda e, no quinto ano de sua estadia, ocupou o cargo de diretor do Hospital de São Bento. 

Em 1817, a Revolução Pernambucana eclodiu devido às crises sociais e econômicas enfrentadas pelos pernambucanos, e o meu ancestral aderiu a este movimento separatista que não veio a vitoriar. Denunciado, foi preso no início do ano seguinte: sua liberdade só foi restituída em 1821. Posteriormente, dedicou-se à ocupação de diretor do Jardim Botânico de Olinda e aos estudos na área, onde destacou-se e demonstrou grande importância. Faleceu em dezessete de julho de 1842, deixando descendência apesar de nunca ter casado. Seu filho Bernardino, tido com uma afrodescendente, foi seu herdeiro intelectual. 

Assim como o seu pai e o seu avô, o rapaz tornou-se cirurgião, mas não alcançou a posição de cirurgião-mor como eles. Ele casou-se com Ana Maria Benedita, uma figura enigmática da família, que também possui uma origem mestiça, com quem assegurou a continuidade da linhagem. Seus filhos foram: Dr. Cândido José, cirurgião-alferes, viúvo de Isabel Joaquina de Sampaio e casado com Ana Joaquina da Conceição; Bernardino José Serpa Júnior, também cirurgião-alferes como o irmão, casado com Francisca Rosa de Jesus; Cândida Inocência, chamada Candinha, parteira e casada com Marcelino José Rodrigues Colaço; Joaquim Jerônimo, herdeiro do nome do avô, major e casado com a meia-lusa Ana Joaquina de Azevedo; Emídia Celecina, casada com o professor de música Antonino José de Morais Reis; e Vicente Anastácio de Olinda, casado com Ana Josefa Correia do Amaral e morador em Nazaré da Mata, onde o velho Dr. Bernardino passou seus últimos anos de vida.

Na obra Autos do inquérito da Revolução Praieira, há a transcrição de duas cartas do Cândido José ao seu estimado pai, as quais leio sempre com bastante interesse, curiosidade e carinho, pois são resquícios de tempos passados e refletem uma relação paternal especial. Aqui a datada de 5 de abril de 1849:


Meu pai, sua benção.


Estimo que estas duas linhas o ache na posse de vigorosa saúde para satisfação de todos que o estimam; assim como a Antonino e a todos os nossos amigos, a quem muito recomendo-me: até ao fazer desta, ficamos em paz, graças a Deus. Vai este para o fim do entregar-lhe esta carta, na qual pedimos encarecidamente a Vosmecê que não demore-se em vir para o seio de sua família, a quem muita falta tem feito. A tantos de janeiro foi Vosmecê demitido de delegado do Conselho de Salubridade Pública, por representação que fez o Dr. Aquino ao Presidente, por achar-se Vosmecê ausente; porém, agora ele mesmo remete-me um ofício (o qual incluso remeto a Vosmecê), acompanhado de uma portaria em bom pergaminho, assinada em nome do Imperador pelo Visconde de Monte Alegre, na qual nomeia a Vosmecê para o lugar de Comissário Vacinador do Município de Olinda. Eu não posso ser mais extenso, só com a vista. Só pedimos a Vosmecê que venha logo que esta receba; pode alugar uma canoa e vir saltar no rio Tapado, e mande-me dizer quando o devo esperar.


Fora deste negócio, muitos outros precisam da sua presença. Lembrança de todos.


Sou de Vossa Mercê, filho amante obediente.


Cândido José Serpa


Reconheço ser a letra e rubrica retro supra de Ber., digo, de Cândido José Serpa. Recife, 5 de abril de 1849.


O Escrivão - Francisco Inácio de Ataíde.



O filho que serviu de homenagem ao avô, Joaquim Jerônimo, era ainda uma criança em 1849, e é com quem eu prossigo, por ser meu pentavô. Curiosamente, há quatro anos, em um velório familiar, encontrei-me diante da sepultura dele e de sua viúva. Também estava sepultado o filho mais amado do casal: Artur, colaborador do Receituário de Joaquim Jerônimo Serpa (Hospital de São Bento de Olinda). Devido à idade avançada, ou por nunca ter conhecido seus avós paternos, que faleceram antes do seu nascimento, o tio Artur confundiu seu avô Bernardino com o pai, seu bisavô Joaquim, nas declarações que prestou à obra publicada em seu último ano de vida: 1966. 

Seu filho Jaldemar, o segundo, herdou o dom da medicina e escolheu a pediatria. Ele foi um homem especial, lembrado por minha bisavó mesmo com a Doença de Alzheimer já avançada. Jaldemar tinha apenas 2 anos quando o major, seu avô, faleceu, em um período conturbado para a família. Em 1915, dona Ana Joaquina de Azevedo Serpa estava adoentada e enfrentando um câncer no maxilar. Com a família emocionalmente abalada pela doença dela, seu marido decidiu visitar o filho Artur. Durante esse encontro, ele subitamente sofreu uma síncope cardíaca e partiu deste mundo nos braços do herdeiro predileto.

A viúva não suportou a perda e seu estado de saúde se agravou, levando-a a falecer somente cinco meses depois, poucos dias antes de completar 73 anos. Além do último referido, mais sete filhos tornaram-se órfãos, todos já maiores de idade: Joaquim Jerônimo Serpa Júnior, envolvido com Flora Evarista de Melo; Leobaldo Joaquim, meu tetravô, casado com a alagoana Amélia Gomes de Melo; Maria Amélia, casada com José Alípio de Morais Serpa, seu primo direito; Ana Joaquina júnia, casada com Francelino Canuto do Espírito Santo; Elvira, casada com Hortêncio Henriques Mafra; e Auta Teresa, a única então solteira, que posteriormente foi desposada pelo cunhado Mafra, viúvo da sua irmã menor.

Meu tetravô Leobaldo era maquinista da marinha mercante e uma figura muito eclipsada pelos parentes e familiares. Ele nasceu no Alto da Sé em março de 1872, exatamente 1 ano após a morte do seu irmão maior, a quem serviu como tributo. Aos 22 anos, casou-se e deu início a uma vasta descendência, composta por dez filhos sobreviventes. No início do casamento, ele ainda vivia em Olinda, mas na virada do século XIX para o século XX, transferiu-se para o Recife, onde estabeleceu sua vida.

Quando o avoengo faleceu inesperadamente aos cinquenta anos devido à ruptura de um aneurisma, minha trisavó Corina - sua sétima filha - era apenas uma criança de onze anos, no início da pré-adolescência. Aos 14, por ser uma mulher em uma sociedade muito conservadora, ela foi prometida a José Eugênio Accioli. O relacionamento, contudo, não seguiu adiante, com o noivo sendo o responsável pelo rompimento. Esse acontecimento permitiu que mais tarde ela casasse com o meu trisavô Armando.

Apesar dessa união ter me proporcionado o nascimento, ela não foi duradoura e culminou em uma separação de corpos. O vovô Armando uniu-se a outra mulher e foi assassinado logo depois pelo preconceito da família da nova companheira. A minha bisavó Ivani, que é a primeira das três meninas oriundas da primeira relação, sofreu muito. Ela estimava bastante seu pai e possuía um relacionamento desassosegado com a mãe. 

A vovó Corina viveu mais 58 anos após o ocorrido, falecendo aos 85 anos de idade. A minha mãe e o seu irmão, meu tio Xandinho, a conheceram. Já a vovó Ivani, para a minha alegria, é viva e tem 94 anos.

Minha irmã, minha mãe e eu, por volta de 2012.


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